Torah from around the world #83

Tekiah, Shevarim, Teruah / commentary for Rosh Hashana

by Rabbi Michel Schlesinger,

Congregação Israelita Paulista

(CIP)

(for the Portuguese version, please scroll down or click

here

)

Of all the symbols related to the High Holidays, the shofar is the one which draws most of our attention. This ancient musical instrument was used in biblical times to call people to war, to herald the arrival of a new month, to notify the community of the death of one of their members, to enhance celebrations, and much more.

Why do we play this instrument during the High Holidays? According to tradition, this period corresponds to the forty days during which Moses was on Mount Sinai to receive the second version of the Tables of the Law. We learn from a midrash that Moses asked the people to blow the shofar during the days he was on the mountain in order to remind the Israelites about the sin of the Golden Calf.

However, no custom or tradition in Judaism has a single meaning, and, in addition to the traditional explanations, we are invited to create our own interpretation. So now I invite you to venture with me and seek together a new meaning to the shofar sound during the High Holidays.

The Torah knows only two sounds from the ram’s horn:

tekiah

(a long sound) and

teruah

(short, staccato sounds). How did

shevarim

, the third sound, emerge?

An interesting discussion from the Talmud tries to determine what the

teruah

sounded like. The rabbis agree that it must have sounded like a cry – specifically, the cry of General Sisrah’s mother when she learned that his son died in battle. One rabbi believed that the cry was sobbing, something similar to our

teruah

, but another rabbi argued that the cry was rather a lament. Consistent with its pluralistic tradition, the Talmud decided not to adopt a single opinion and instead introduced a third sound to accommodate the divergent truths. Thus

Shevarim

, the third sound of the shofar, which sounds like a lament, was born

I think that the comparison suggested by the Talmud between the shofar and the cry deserves attention. As I became Tamar’s father not so long ago, I can talk about crying with some authority!

According to Winnicott, the 20th century British psychoanalyst and pediatrician, children express all their feelings through crying. It can signify hunger, pain, discomfort, and fear, as well as express excitement and pleasure. As this is the only means of communication available to the newborn, it is by crying that the child will convey all that goes with him/her. There is even an amazing baby monitor that professes to be able to analyze a baby’s crying and determine the baby’s desire based on the cry (obviously the device offers more wrong than right answers!) In order to understand a child, you need the sensitivity of a “good enough” mother according to the English psychoanalyst (and I would add a “good enough” father as well).

The shofar is also a form of nonverbal communication. Just as the child expresses in crying what cannot be said in words, so the ram’s horn conveys in sound what words cannot express.

The High Holiday season is expressed by many words. We apologize to those whom we have offended, we send Shanah Tovah cards, we read hundreds of pages of prayers in our machzorim, and we follow the Torah and Haftarah readings. However, at some point when we’ve said everything we could say, we run out of words.  So what do we do? We play the shofar. Through the oldest musical instrument in the world, we communicate what words can no longer transmit.

We are people who are used to turning our emotions into words. We need to release the child’s cry in each one and every one of us. We have a powerful shofar inside of us that we don’t use because we don’t pay attention,  because of convenience or fear. Our ram’s horn allows us to communicate emotions without the need to transform them into words. We launch our shofar when we allow ourselves to cry, to hug, to kiss, to touch, to hold hands, or  to remain silent. In fact, the latter seems to be our most powerful shofar and one of the least used: the deafening roar of silence. The strength of this feature is beautifully captured in the High Holiday liturgy: “

Ubeshofar gadol itacah, vecol d’mamah dakah ishamah

. When the big shofar is sounded, a silence is heard.”

Why, then, do we play the shofar during the High Holidays? Inspired by the Talmud comparison between the shofar and crying, I believe that the ram’s horn represents our mourning. It represents the full range of emotions that we can never put into words. As we cried when we were little, we must have the courage to cry now, when we are already adults. The words will remain essential in our communication with God, with others and with ourselves. However, by restricting ourselves only to words, we are wasting a valuable tool to express our feelings.

May God grant us the courage needed, during these High Holidays and always, to communicate also what words can never say. Let us have the strength to use our resources with nonverbal courage. Let us learn to make good use of the shofar, which exists within each and every one of us.

Tekiah, Shevarim, Teruah

.

Shanah Tovah!

Tekia, Shvarim, Teruá

.

De todos os símbolos relacionados às Grandes Festas, o shofar é aquele que mais chama a nossa atenção. Este instrumento musical milenar já era tocado na época da Torá nas mais variadas ocasiões. O shofarconvocava as pessoas para a guerra, anunciava a chegada de um novo mês, comunicava um falecimento na comunidade, embalava comemorações, entre diversas outras possibilidades.

Por que será que tocamos este instrumento no período das Grandes Festas? Segundo a tradição, este é o período que corresponde aos quarenta dias, durante os quais Moshé esteve no Monte Sinai para receber a segunda versão das Tábuas da Lei.

Conta um midrásh que o líder teria pedido ao povo que tocasse o shofar nos dias em que ele estivesse sobre a montanha para que os israelitas se lembrassem do pecado do Bezerro de Ouro.

Contudo, no judaísmo, nenhum costume ou tradiçãopossui um único significado. Além das explicações tradicionais, somos convidados a criar nossa própria interpretação. Convido vocês a se aventurarem comigo e buscarmos, juntos, um novo significado para os toques doshofar no período das Grandes Festas.

A Torá conhece apenas dois toques do chifre do carneiro: tequia (o toque longo) e teruá. Como será que surgiu shvarim, o terceiro e toque? Uma interessante discussão talmúdica tenta determinar como seria o teruá. Os rabinos concordam queele deveria soar como um choro. Mais especificamente, o choro da mãe do general Sisrá quando soube que seu filho morreu na batalha ocorrida na época da profetiza Débora.Enquanto um rabino acreditava que o choro era soluçado, algo semelhante ao nosso teruá, outro sábio argumentava que o choro teria sido um lamento. Em coerência com sua tradição pluralista, o Talmude decidiu não adotar uma única opinião. Ao invés disto, introduziu um terceiro toque para acomodar as verdades divergentes. Assim nascia shvarim, o terceiro toque do Shofar, parecido com um lamento.

Penso que a comparação sugerida pelo Talmude entre o shofar e o choro merece atenção. Como me tornei pai da Tamar no início do mês de setembro, posso falar sobre choro com alguma propriedade.

Segundo Winnicott, pediatra e psicanalista inglês que viveu no século 20, a criança expressa todos os seus sentimentos por meio do choro. Ele pode significar fome, dor, desconforto, medo e pode também expressarexcitação e prazer. Como este é o único mecanismo de comunicação disponível para o recém-nascido, é por meio do choro que a criança vai transmitir tudo o que se passa com ela.

Chegaram inclusive a inventar uma milagrosa babá eletrônica que analisa o choro e determina qual é o desejo do bebê. Obviamente o aparelho mais erra do que acerta. Para entender uma criança, somente a sensibilidade deuma mãe “suficientemente boa”, na linguagem no psicanalista inglês, ou um pai “suficientemente bom”,acrescentaria eu.

O shofar também é uma forma de comunicação não verbal. Assim como a criança informa pelo choro aquilo que não pode ser dito em palavras, o chifre de carneiro transmite o que as palavras não poderiam falar.

O período das Grandes Festas é uma época de muitas palavras. Pedimos desculpas para aqueles que ofendemos, mandamos cartões de Shaná Tová, lemos centenas de páginas de rezas em nossos machzorim, acompanhamos as leituras da Torá e Haftará. No entanto, em determinado momento, esgotam-se as palavras. Numa certa hora, já dissemos tudo aquilo que poderíamos dizer. Então o que fazemos? Tocamos o shofar. Por meio do instrumento musical mais antigo do mundo, comunicamos aquilo queas palavras já não podem transmitir.

Somos pessoas acostumadas a transformar todas as emoções em palavras. Precisamos resgatar o choro dacriança que existe em cada uma e cada um de nós.Possuímos um poderoso shofar interior e muitas vezes nos furtamos em utilizá-lo por desatenção, comodidade ou medo. O nosso chifre de carneiro é nossa capacidade de comunicar emoções sem a necessidade de transformá-las em palavras. Acionamos nosso shofar quando nos permitimos chorar, abraçar, beijar, tocar, segurar a mão,ou apenas ficar em silêncio. Aliás, este último parece ser nosso shofar mais poderoso e um dos menos utilizados, o ensurdecedor barulho do silêncio. A força deste recurso foi lindamente captada pela liturgia das Grandes Festas.Ubeshofar gadol itacá vecol demamá daca ishamá.Dizemos na oração Unetanê Tokef: quando o grandeshofar for tocado, um profundo silêncio será ouvido.

Por que, então, tocamos shofar no período das Grandes Festas? Inspirado na comparação que o Talmude traçou entre o instrumento e o choro, acredito que o chifre de carneiro representa nosso choro. Representa toda a gama de emoções que nunca poderemos traduzir em palavras. Assim como chorávamos quando éramos pequenos, precisamos ter coragem de chorar como adultos.

As palavras continuarão sendo essenciais em nossa comunicação com Deus, com os outros e com nós mesmos. No entanto, se nos limitarmos somente a elas,estaremos desperdiçando uma ferramenta valiosa para a expressão daquilo que sentimos.

Que Deus nos conceda a bravura necessária, neste período das Grandes Festas e sempre, para comunicar também aquilo que as palavras nunca poderão dizer. Sejamos capazes de usar com coragem nossos recursos não verbais. Que saibamos fazer bom uso do shofar quesempre existiu dentro de cada uma e cada um de nós.

Tekia, Shevarim, Teruá

.

Shaná Tová!

Tekia, Shvarim, Teruá

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